Edna Cardozo Dias, presidente da Liga de Prevenção da Crueldade contra o Animal, especializada em Criminologia pela ACADEPOL, pos graduada e Direito Público e doutora em Direito pela UFMG http://www.sosanimamg.com.br/
O presente artigo faz um breve relato sob as ações no Brasil, que culminaram com a criminalização dos maus tratos aos animais. E termina falando do projeto de lei que tramita na Câmara de Deputados que pretende revogar esta proteção.
Até chegar à criminalização dos maus tratos aos animais a trajetória foi longa. Por isto é importante que haja uma mobilização nacional para que o PL do Deputado Thomaz Nonô, reapresentado pelo Deputado Régis de Oliveira não seja aprovado. Caso contrário precisaremos de mais um século de luta em prol dos animais.
Vejam como foi difícil
Eu comecei atuar em defesa dos animais em 1980 trabalhando em um abrigo. Nesta época estava em vigor apenas o decreto 24.645/1934, que tipificava como contravenção os maus tratos contra os animais. Esta lei foi importada da legislação vigente na Europa. Em 1941, a Lei das Contravenções Penais proibia em seu art. 64 a crueldade contra os animais. Até então tal prática permaneceu apenas como contravenção.
Nesta época pude verificar que não havia como defender os animais apoiada na contravenção, que é um ilícito considerado de menor potencial ofensivo, se comparada com o crime. Nem as delegacias de polícia ou os magistrados se preocupavam com as contravenções ou animais.
Eu, então, ao tomar conhecimento de que o Código Penal iria ser reformado redigi um projeto de lei que propunha uma alteração do Código Penal, no que tange aos animais. Comecei a espalhar o referido projeto para todas as autoridades, tanto do Poder Púbico, como associações protetoras dos animais para conseguir apoio para seu sucesso. Nesta época eu já havia fundado a Liga de Prevenção da Crueldade contra o Animal- LPCA (fundada em 12 de dezembro de 1983).Em dezembro de 1983 fui ao Rio de Janeiro procurar Dra. Claudie Dunin que, além de Presidente da Sociedade Zoofila Educativa representava a World Society for the Protection of Animals no Brasil. Isto por acreditar que a aliança com uma entidade internacional daria mais força à proposta. Nesta ocasião ela me apresentou a outras entidades do Rio de Janeiro. Fernanda Colagrossi da APANDE ficou de solicitar ao marido Senador que apresentasse o anteprojeto no Senado, entretanto não tive notícias de que isto houvesse ocorrido. Lya Cavalcanti da Associação Protetora dos Animais julgou melhor ficarmos com o Decreto 24.645, porque enumerava vários tipos de maus tratos. Para ela era preferível mais tipos penais a ter penas maiores asseguradas. Daí continuei a agir sozinha por longo tempo.Este foi o projeto que redigi em nome da LPCA e que foi registrado em Cartório de Títulos e Documentos em Belo Horizonte, porque eu estava tendo muitos problemas com direitos autorais (2º ofício protocolizado sob n.º 332505 e registrado no livro X-4 sob n.º 31373). Vejamos minha proposta inicial, que não era a ideal porque na época não havia clima para muitas reivindicações:
Atentado contra o Animal
Artigo 420: Causar sofrimento ao animal praticando crueldade ou submetendo-o a trabalhos excessivos. Pena: De seis meses a dois anos e multa.
Parágrafo Único: a pena será aumentada de 1/3 se:
I- O animal estiver cego, doente, ferido, velho, caquético ou em adiantado período de gestação e, sem os acessórios no caso de animais de carga.
II- Efetuar qualquer cirurgia dolorosa em animal sem utilização de anestesia local, troncular ou geral e a assistência veterinária.
Animais de consumo
Art. 421: Prolongar ou agravar o sofrimento do animal cujo extermínio seja necessário para o consumo humano ou por motivo lícito ou humanitário.
Pena: Seis meses a dois anos e multa.
Parágrafo Único: Na mesma pena incorre aquele que:
I- Engordar aves e outros animais por processos mecânicos, químicos e outros métodos que sejam cruéis.
II- arrancar pena ou pelo de animal vivo ou entregá-lo vivo à alimentação de outros, bem como encerrá-lo junto com outros que o aterrorizem ou molestem.
III- manter, criar, expor ou transportar o animal de cabeça para baixo ou em recinto exíguo, anti-higiênico, mal ventilado, bem como deixar de lhe dar água ou alimento em quaisquer circunstâncias.
Esportes, espetáculo ou seitas
Art. 422: Realizar espetáculo cruel ou promover luta entre animais da mesma espécie ou de espécies diferentes tais como touradas, simulacro de touradas, rinhas e similares.
Pena: Seis meses a dois anos e multa.
Parágrafo Único: Na mesma pena incorre aquele que:
I- Exercitar tiro ao alvo sobre patos, pombos ou outros animais.
II- Castigar o animal, ainda que para fins de adestramento e aprendizagem ou submetê-lo a privações, bem como exibi-los em circos.
III- Tirar a vida do animal ou tratá-lo com crueldade por prática em ritual ou seita.
O projeto era seguido de uma justificativa.
Naquela época eu não possuía email e nem computador. Escrevia à máquina manual assentada no chão, xerocava tudo e ia ao correio com sacolas de mercado distribuir todo material para todo Brasil. Eu escrevia o boletim SOS ANIMAL.
Este projeto foi encaminhado para o Ministério da Justiça, Conselho de Política Criminal e Penitenciária, Deputados, Senadores, OABs, e ONGs de todo Brasil.Em 1984, ao ensejo da reforma do Código Penal, na qualidade de presidente da LPCA, procuramos o Professor Jair Leonardo Lopes, então membro do Conselho de Política Criminal e Penitenciária, para entregar-lhe uma proposta de criminalização dos atentados aos animais.Nesta ocasião o Código Penal acabou sendo alterado tão somente em sua parte geral, razão pela qual a proposta não pode ser aproveitada.
Eu estava em contacto com todas as ONGs porque redigi um manual intitulado “Como Defender os Animais em Juízo” ainda datilografado em máquina comum, que foi distribuído para ONGs de todo Brasil. Por isto eu era procurada por todo Brasil. Quando conheci Rosely Bastos que veio a ser representante da LPCA no Rio ela o digitou no computador e registrei o documento na Fundação Biblioteca Nacional sob n.º 76.255, em 27 de abril de 1992. A obra foi distribuída em unidades, não foi publicada. Em 1993 encaminhei o projeto ao Ministro Maurício Correa que me enviou um cartão comunicando que encaminhou o documento ao jurista Evandro Lins e Silva. Isto porque foi formada no Ministério da Justiça uma comissão encarregada de, novamente, estudar a reforma da parte especial do Código Penal, mais uma vez o projeto da LPCA foi entregue a seus membros: Prof. Jair Leonardo Lopes, Evandro Lins e Silva, Wanderlock Moreira, Francisco Assis Toledo, Renée Ariel Dotti e aos conselheiros das subseções da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, bem como à Comissão de Meio Ambiente da OAB Federal.Ainda em 1993 fui nomeada membro da primeira Comissão de Meio Ambiente da OAB/MG. Foi quando tive oportunidade de freqüentar os congressos de Direito Ambiental das diversas subseções da OAB e conhecer pessoalmente os mais ilustres juristas ambientalistas do país. Participei do congresso “O Estado de Direito e o Desenvolvimento Sustentável” promovido pela OAB/DF em março de 1996. Anteriormente havia ido a congresso da OAB na Bahia em junho de 1994. Desde então passei a me corresponder com Dr. Gilberto Passos de Freitas, Dr. Paulo Affonso Leme de Carvalho, Helita Custódio Barroso, entre outros. De 1994 a 1996 ministrei a matéria Direito Ambiental na Academia de Polícia de Minas Gerais, hoje a ministro em universidades.
Paralelamente eu freqüentava encontros de ambientalistas cadastrados no Conselho de Cadastro Ambientalistas do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, intitulados “Encontro nacional de entidades ambientalistas autônomas”. Foram vários. Sempre levando minha proposta de criminizalização de maus tratos aos animais. Fui membro da Câmara Técnica de Assuntos Jurídicos do CONAMA e conselheira suplente do CONAMA, onde continuei buscando apoio.Quando compareci ao 2º Congresso Internacional de Direito Ambiental” promovido pelo Instituto “O Direito por um Planeta Verde”, de 3 a 6 de junho de 1997 a comissão que redigiria a lei de crimes ambientais já estava formada. Assim eu pessoalmente pude pleitear junto aos juristas presentes a criminalização dos maus tratos aos animais, o que foi muito bem aceito.Tanto que fui convidada para a primeira reunião da comissão. Entretanto por motivo de trabalho não pude comparecer. Enviei farto material. Enviei textos com fotos e legendas encadernado em espiral aos participantes e que viria a se transformar no livro “O liberticídio dos animais”, de minha autoria, que foi distribuído aos Deputados e aos membros da comissão redatora da lei 9605. Pedi permissão ao Dr. Gilberto para mandar a Sônia Fonseca representando a mim e ao movimento, pois a mesma já havia se engajado nesta luta no início dos anos 90. Inclusive foi representante da LPCA em São Paulo por muitos anos. Como a bióloga e professora Sônia Fonseca era muito habilidosa para contactar outras entidades e formar lobbies era sempre procurada por todas as entidades para ajudar na aprovação de propostas e projetos das diversas ONGs. Teve importantíssimo papel nesse mister. Em matéria de fortalecer o lobby Sônia Fonseca (Fórum de Proteção aos animais de SP) e Geuza Leitão (CE) foram minhas principais ajudantes. Outras pessoas com a quais não tive contacto pessoal se somaram aos esforços conjuntos das ONGs. Uma vez formada a referida comissão o grupo cresceu. De idéia solitária se transformou em uma das plataformas do movimento de proteção aos animais.A lei 9.605 teve como relator o Ministro do STJ Antônio Herman Benjamin e como presidente o Desembargador Gilberto Passos de Freitas. Esclarecendo: o Ministro Nelson Jobim instituiu uma comissão mista com a participação de juristas de notório saber, a OAB de vários Estados, principalmente São Paulo, Rio e Santa Catarina. O trabalho final foi encaminhado ao Congresso pelo Senador Alcântara, como substitutivo ao projeto do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis- IBAMA, a pedido do Ministro Nelson Jobim. O resultado foi a edição da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, conhecida como Lei de Crimes Ambientais. E graças ao apoio principalmente do Dr. Gilberto e do Ministro Hermann Benjamin temos hoje o artigo 32 que tipifica abuso e maus tratos aos animais como crimes, sejam eles domésticos, domesticados, exóticos ou nativos.Mas, muito antes disso eu me comunicava sobretudo com São Paulo e mandava para lá todas minhas sugestões. Primeiro fiz amizade com Fábio Feldman, primeiro presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB/SP. Fernando Pinheiro Pedro que o sucedeu na OAB/SP criou uma subcomissão de fauna que era presidida por Eduardo Fanganiello. Nós nos comunicávamos sempre. Como não podia comparecer às reuniões em outro Estado já que sempre trabalhei e resido em Minas Gerais, quem me representava era Ana Maria Pinheiro, que pagou do seu bolso vários pareceres de juristas ilustres. Ela foi, ainda, a minha primeira parceira em São Paulo para ajudar na criminalização dos maus tratos aos animais. Até chegou a ser durante um mandato a vice-presidente da LPCA.
Aprovação do artigo 32 pelo Congresso Nacional
O projeto teve que ser acompanhado em toda sua tramitação. Quando foi para Comissão de Constituição e Justiça enviei um parecer a todos os membros da comissão defendendo sua constitucionalidade. Quando foi para Comissão de Meio Ambiente, Minorias e Consumidor enviei parecer ao relator e membros da comissão e tive a honra de ter meu parecer como modelo da relatoria.
Alteração do artigo 32
Depois veio o pedido de alteração da Lei 9605 proposta pelo Deputado Thomaz Nonô com a justificativa de que o artigo impedia realização de rodeios. Enviei inúmeros pareceres para os membros da comissão. Nesta mesma ocasião o pedido de alteração do artigo foi endossado pelo Deputado Fernando Ebling para a legalização das rinhas de galo. Mais pareceres. Pareceres e mais pareceres. O Deputado Luciano Pizatto que recebeu meu parecer usou os argumentos por mim enviados.Depois o projeto foi enviado para a relatoria do Deputado Dr. Rosinha, que também acatou os pareceres e clamor do movimento. Já éramos milhares pedindo pelos animais.O projeto foi arquivado e depois desarquivado pelo Deputado Regis de Oliveira que deturpou os pareceres para facilitar a aprovação junto a deputados desavisados que votam sem ler todo processo legislativo. A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania aprovou, por unanimidade, parecer do deputado Regis de Oliveira (PSC-SP) pela aprovação do PL 4.548/98 (originário de Thomaz Nonô), que altera o artigo 32 da Lei 9.605/98 e exclui das sanções penais a prática de atividade com animal doméstico ou domesticado. O projeto seguirá para votação em plenário em regime de prioridade se não agirmos agora.
ContradiçãoO curioso, é que o mesmo relator que acata a proposição e vota favoravelmente à aprovação do projeto, dois meses antes redigiu um parecer contrário. Diz o deputado Oliveira no parecer datado de 2 de setembro de 2008: "Entretanto, os projetos de lei nºs 4.548/98 e 4.340/2004, que pretendem legalizar os confrontos de animais, do tipo "briga de galo", sob a equivocada alegação de que tal atividade constitui manifestação cultural, são inconstitucionais, porque violam o inciso VII, do § 1º. do artigo 225, da Carta Magna".Em outro trecho o parlamentar acrescenta, "é relevante enfatizar que o inciso VII do § 1º, do artigo 225, da Constituição Federal, protege a fauna de maneira geral, sem fazer distinção entre fauna silvestre, exótica ou doméstica, animais domésticos ou domesticados". Consequentemente, a alteração sugerida é de manifesta inconstitucionalidade, pois pretende impedir que a Lei 9.605/98 recaia sobre os atos de crueldade cometidos contra animais domésticos e domesticados, como bem salientou Edna Cardozo Dias, doutora em Direito pela UFMG, professora de Direito Ambiental e presidente da Liga de Prevenção da Crueldade contra o Animal." O parlamentar cita, ainda, o Decreto 24.645/34 para justificar seu voto contrário.
A luta continuaIsto vem demonstrar que a proteção dos animais tem que ser uma ação contínua e perpétua. A responsabilidade da proteção dos animais fica a cargo dos valorosos jovens que estão aderindo ao movimento. A vida dos animais está nas mãos de vocês e eu confio.
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